Tácito e Plácido eram amigos. Conheceram-se ainda na escola, onde suas existências eram ignoradas pelos colegas, pelas meninas, pelos professores e pelo vendedor de pipoca que ficava na porta do Colégio Sagrado Coração. Tácito era silencioso, calado, secreto, filho do igualmente discreto seu Taciturno. Já Plácido poderia ser descrito como um menino tranqüilo, sossegado, pacífico. Seu pai, seu Sereno, gostava do nome que tinha escolhido para o filho. Desde pequeno, achava “plácidas” a palavra mais bonita do hino nacional. Não sabe até hoje direito o que ela significa, mas se lembra bem da sensação estranha e gostosa que sentia quando, toda sexta-feira, no pátio da escola, cantava o verso com sua palavra predileta. Porém, como o não planejado rebento que apareceu naquele 30 de dezembro era homem, e apenas um, deu-lhe o nome de Plácido mesmo, torcendo para que na próxima vez sua mulher desse à luz duas meninas gêmeas.
Tácito e Plácido, diferente de todo o resto da escola, da vizinhança e do país, não gostavam de futebol. Preferiam a atividades menos barulhentas e mais introspectivas, como jogar videogame. Plácido não falava muito; Tácito não falava nunca. A não ser um com o outro. Foram amigos por mais de trinta anos, com alguns poucos desencontros. Tácito, após a faculdade de Letras, decidiu dedicar-se à literatura, percebendo que como professor não ia dar muito o que falar, uma vez que ele próprio não falava muito. Neste período, não fazia outra coisa além de ler e escrever. O que Tácito não conseguia falar (o que era quase tudo), ele escrevia. Enquanto isso, Plácido ocupava seu tempo livre (que era praticamente todo o tempo que tinha) com sua primeira e única namorada, Aturdida, que conheceu num show de rock. Apesar de não combinarem muito o relacionamento durou. Durou bem pouco. Aturdida não agüentava mais a morosidade do namorado e acabou apaixonando-se pelo vocalista da mesma banda de rock que tocava na noite que conheceu Plácido.
- Plácido, não gosto mais de você. Na verdade, acho que nunca gostei. Estou apaixonada pelo vocalista de uma banda de rock, estamos indo morar em Nova York. Combina mais comigo.
Plácido, calmo que era, não respondeu nada, mas pensou em duas coisas: “os opostos não se atraem porra nenhuma e eu acho que gosto mesmo é de reggae. Combina mais comigo.”
Depois disso, Plácido encontrou a si e a seus semelhantes na Bahia, e por lá foi morar. Vive perto da praia, onde em meio a um baseado, ou dois, fica o tempo todo vendo o tempo passar. Até hoje não sabe muito bem o significado do verso “ouviram do Ipiranga às margens plácidas”, mas fica feliz por ter sido filho único. Uma vez ou outra, pensa que poderia ter corrido mais atrás das coisas, ter sido mais pró-ativo, quem sabe até, ir atrás de seu grande amor, Aturdida. Os pensamentos, porém, vão e vêm, como as ondas que Plácido observa, sem reação, da janela de seu casebre azul bebê desbotado e descascado.
Já Tácito se parece cada vez mais com seu pai, seu Taciturno, um homem que na frente de toda a família, em seus últimos momentos de vida, quando podia dizer qualquer coisa que quisesse, não disse nada. Deixou apenas um recado: o silêncio. A morte do pai deixou Tácito ainda mais recluso. Passou a dedicar-se integralmente a sua primeira e única namorada, a Literatura, que na prática lhe era ingrata: Tácito nunca teve nenhum de seus textos publicados, ou sequer lidos. A não ser por Plácido que, na verdade, não entendia nada da prosa obscura de seu amigo.
Recentemente, Tácito decidiu sair de seu minúsculo e escuro apartamento e visitar Plácido na Bahia. O encontro foi como haveria de ser. Como nos velhos tempos, sem muitas palavras, sem muita ação. Plácido queria que Tácito visse as ondas que ele tanto gosta de observar, mas o mar estava calmo, quase estático. Neste momento, ambos perceberam, que mesmo depois de tanto tempo, pouca coisa havia mudado em suas vidas. Não faziam muita coisa, além de ser o que são. Como sempre, um, plácido, o outro, tácito.