É possível cruzar Israel de ponta a ponta em seis horas. Metade desse tempo é gasto só para atravessar o deserto de Negev, quilômetros infindáveis de areia, pedras e vazio que observo da minha janela, sentado na poltrona 11. Engraçado pensar quantos tiros, mísseis e vidas Israel gastou para poder chamar esse latifúndio inóspito de seu. Depois que uma guerra começa, não há retorno, não há empate. O que importa é ganhar, tanto faz o que: poder, dinheiro petróleo... ou simplesmente, areia, pedras e vazio.
Os beduínos remanescentes vivem hoje vendendo seus costumes e folclore para os turistas passantes, que estacionam seus grandes ônibus platinados em volta das tendas para dormir algumas noites como “um verdadeiro beduíno!”. Comem a comida típica deles – mãe, tem que ser com a mão? -, andam de camelo – tira a minha foto aqui em cima! – e vêem shows ao vivo – clap, clap, clap, agora toca uma em hebraico.
Estou a caminho de Eilat, a Punta del Este israelense. A cidade fica na última pontinha de terra do sul do país. No ônibus que peguei a coisa menos estranha que meus olhos encontram é o hebraico dos avisos e placas, o que por si só já me é suficientemente bizarro. Acho hieróglifos egípcios mais acessíveis, com seus desenhos bonitinhos de animais. O gato, por exemplo, significa gato, certo?
Ao meu lado, assentos 13 e 14, um casal de judeus ortodoxos toma uma sopa de legumes numa garrafa de gatorade. O vidro translúcido me permite ver pedaços de cenoura e batata movendo-se placidamente naquele grosso caldo. Pelo menos não precisam sujar colher. Os dois romanticamente dividem aqueles 473 ml de sopa de legumes e depois limpam com as costas da mão o bigodinho bege que fica depois de cada gole.
Um pouco mais atrás um grupo de americanos acabam de se conhecer – oh my gosh, I can`t believe we went to St. Paul`s High together, that`s sooo awesome!. Falam e gesticulam como os personagens dos seriados que assistem. I think someone watched too much television here.
Na minha frente, um homem negro escreve mensagens em árabe no seu celular, enquanto o seu vizinho brinca de matar pedestres e bimbar prostitutas no seu videogame portátil. A maioria dos outros lugares são ocupados por jovens israelenses soldados, o que é uma redundância, já que todo jovem em israel é soldado, sabe atirar e tem uma arma a tiracolo. Eles, soldados e armas, são tantos que muitos tem que deitar pelo chão do ônibus ou ficar em pé a viagem toda.
Escureceu. A paisagem, antes dourada, agora é cinza. Estou com hálito de alho - na rodoviária, atrasado para embarcar: - “Oi, eu queria um sanduíche com atum, queijo, cogumelos, cebola, molho pesto, tomate, alface e bastante pasta de alho” - , confuso e feliz. Algo me diz que ainda há muitos desertos pela frente.