eu idolatro: B-52`s. Chame-os de criativos, non-sense, dadaístas, “reis da new wave”, festeiros, o que for. Eles são, acima de tudo, bons. Muito bons. O grupo quando surgiu parecia coisa de outro mundo. Alienígenas de Atlanta, apática cidade norte-americana, fazendo músicas sobre lagostas roqueiras, festas fora de controle, quiche lorraine, lugares perto de Vênus, pássaros grandes, Mesopotâmia, copiadoras de dinheiro e outros temas rotineiros.

No momento, eu e minhas caixas de som estamos conhecendo “Funplex” pela primeira vez. O novo disco do grupo vem romper o hiato de 16 anos sem gravar material novo. Não cheguei nem na metade ainda, mas já arrisco dizer que é o melhor deles desde o falecimento do guitarrista original, Ricky Wilson. É bem verdade, porém, que a banda não é a mesma depois que Ricky se foi. Seu estilo de tocar dava à banda uma sonoridade mais orgânica, tão tosca quanto charmosa. Seus riffs minimalistas meio surf music meio funk meio não-sei-o-quê, tocados na sua guitarra de quatro cordas (ele arrancava as outras duas), eram quem ditava o ritmo nas canções dos B`s. Baixo não havia, a não ser quando era feito com teclados. A bateria de Keith Strickland, atual guitarrista, seguia uma batida única por quase toda a canção. Era, portanto, os movimentos de Ricky que produziam os altos e baixos no ritmo das composições. Na maioria das vezes, começava devagar e terminava incendiando (vide “Rock Lobster”, “Runnin around” e tantas outras).

Mas, chega de nostalgia e voltemos para “Funplex”. A música que abre o álbum é “Pump”, que quem é fã já deve ter conhecido em andanças pelo mundo virtual. Primeira coisa que me chamou a atenção foi a programação eletrônica, que tem um timbre parecido com... LCD Soundsystem. Isso mesmo, LCD Soundsystem. O B-52`s, já quase-vovôs, estão antenados no que está rolando por aí, logo não é à toa que o disco soe atualíssimo. Em declarações recentes, a banda afirmou que Gossip, Rapture e Scissor Sisters não saem de suas playlists.

“Eyes wide open” é emblemática disso. É a faixa mais eletrônica do álbum, quase não tem guitarra. Até os vocais de Kate e Cindy entrarem, ninguém diria que se trata de uma banda que toca desde o final da década de 70, de tão contemporânea que soa. Palmas para o momento instrumental de quase dois minutos no fim da música.

“Too Much to think about” remete ao B-52`s do começo da década de 90, quando retomaram às paradas de sucesso com “Love Shack”. “Funplex” tem o melhor refrão do disco. “Keep this party going” é quem fecha dando a pista: foi a última música, mas a festa continua – dá pra dar repeat no CD, esperar o próximo lançamento, ou ainda resgatar qualquer outro da discografia deles. Todas as alternativas são garantia de boa festa.

As letras continuam abordando temas triviais do nosso cotidiano como espíritos, amor nos anos 3000, festas (ah, tinha que ter), helicópteros rosas e especiarias curiosas. Fiquei feliz de escutar de volta a percussão de Cindy Wilson, uma das vocalistas, presente em alguns momentos. Queria também a Cindy Wilson de 1980 de volta, mas aí já é mais difícil (olha que gracinha ela aqui). Sua voz permanece impecável, assim como a de Kate Pierson, sua parceira nos microfones. A união dos timbres dessas duas cantoras tem até hoje um resultado assombrador, melhor voz pra pop não tem. Suas cordas vocais foram feitas uma pra outra, sem dúvida. O ménage à trois é completado com Fred Scheneider, que canta falando, ou vice-versa?, e dança comicamente bem.

Os downsides de Funplex: a produção, um pouco exagerada, anula aquela verve tosca e espontânea da banda à qual me referi. Mas isso já foi perdido desde que Kate não assume mais os teclados e a banda contratou outros músicos profissionais para acompanhá-los. A capa do disco ficou cafona, ainda mais se a compararmos com a obra de arte que é a do álbum de estréia. Strickland se esforça para criar sua linguagem própria nas guitarras, sem desprezar o estilo de Ricky, mas não tem lá muito sucesso. Acho seus riffs modernosos demais para o B-52`s, além de precisarem de um pouco de sal. Quem sabe se ele tirasse duas cordas do instrumento...

Mas o que importa mesmo é que a banda lançou um disco de inéditas. Superando a efemeridade dos hypes todos, o B-52`s mantém transformando sua bizarra irreverência em música. Cresci escutando o grupo, meus pais são fãs e estavam no show deles no Rock in Rio I. Ano passado, tive a oportunidade de vê-los no festival Benicàssim, na Espanha, e confesso que até hoje não consegui digerir direito o que vi e senti. A felicidade foi proporcional ao choque de vê-los enrugados, sem aquelas perucas enormes e as roupas espalhafatosas. Na coletiva de imprensa, repórter nenhum fez pergunta. Por mais óbvio que isso seja, o tempo havia passado. Eu sei, sempre passa. Mas, às vezes, me parece, isso é mais perceptível e mais doloroso de aceitar. Tive uma nostalgia de algo que nunca nem vivi.